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QUEREMOS A CRIANÇA QUE TODOS RECUSARAM
Dom
Pedro José Conti
Bispo
de Macapá
Finalmente,
após dois anos de espera, o casal ia ganhar o filho tão desejado. Tinham
recebido o decreto de adoção e podiam ir ao Instituto para buscar a criança.
Antes de viajar, cheios de alegria e trepidação, ainda deram uma última olhada a
casa para ver se tudo estava pronto para receber o novo hospede. O berço tinha
sido colocado no meio do quarto e estava lindo. À noite já estariam de volta, e
a casa não seria mais a mesma. No Instituto, muitas outras pessoas, da mesma
forma que os dois, estavam aguardando as crianças.
- Eu
quero uma menina e deve ser loura.
- Eu
gostaria ter uma criança com seis meses.
-
Eu...
O
casal ouviu tudo em silêncio. Depois se olharam e logo se entenderam, porque o
amor não precisa de muitas palavras. Esperaram que todos tivessem ido embora com
as crianças que tinham escolhido. A enfermeira lhes perguntou:
- E
vocês, como querem a criança? Menino ou menina? Recém-nascido ou com alguns
meses?
Os
dois se olharam novamente e responderam juntos:
-
Queremos a criança que todos recusaram.
No
domingo de Todos os Santos, uma pequena história de generosidade e, talvez, de
heroísmo. Tudo isso para lembrar que a santidade não está reservada somente a
alguns ou que seja questão de grandes obras. No entanto, a santidade, sempre
deve ter algo de novo e de especial. Pode ser o trabalho cotidiano, mas vivido
com dedicação e desprendimento; pode ser algo de urgente a ser realizado ou,
ainda, uma responsabilidade que poucos – ou ninguém - teriam coragem de assumir.
O importante é que seja feito com amor e por amor.
Por
isso, a Igreja nunca vai deixar de apontar, como exemplos, cristãos que se
distinguiram por alguma intuição e resposta corajosa a situações graves e
urgentes que precisavam encontrar um novo rumo. Foi assim que, ao longo dos
séculos, apareceram homens e mulheres que, muitas vezes, não foram bem
entendidos naquele momento, porém depois se revelaram como profetas de novos
tempos. Em épocas de crise, houve Santos reformadores; em momentos de dúvidas,
Santos Doutores; em situações de carência, Santos e Santas totalmente entregues
aos pobres, aos sofredores, aos excluídos daquele tempo. Sem falar dos mártires
por causa da fé, conhecidos e desconhecidos, fiéis até o fim. Muitos Santos e
Santas sonharam com outros povos, raças e culturas diferentes, assim escolheram
dedicar-se à evangelização sem fronteiras. A caridade, o desejo de ajudar os
pequenos, a vontade de partilhar a alegria do Evangelho sempre animaram e devem
animar os cristãos de todos os tempos. O Espírito Santo nunca deixa faltar os
dons e a coragem necessária. Basta prestar mais atenção ao chamado do Senhor, ao
grito dos pobres e marginalizados. Precisa responder, saindo do próprio
comodismo e abrindo caminhos novos.
Hoje
se fala de Santos de calça jeans, de Santos conectados, de Santos ecológicos.
Por que não? A obra da evangelização sempre precisará de novos operários. Também
novas pobrezas e exclusões aparecem numa sociedade egoísta e gananciosa, ainda
incapaz de resolver problemas mundiais como a fome e a miséria de milhões de
serem humanos.
Mudam
as situações, os meios, os recursos e, evidentemente, os protagonistas, mas o
mesmo ardor deve animar a cada geração. Santidade não é questão do passado,
menos ainda de modas passageiras; santidade é questão de coragem em viver
seriamente e com alegria a fé cristã. Na disputa entre o bem e o mal, entre a
indiferença e o compromisso, entre o vazio e o querer dar um sentido à própria
vida, sempre haverá espaço para fazer o bem, para vencer barreiras, construir a
paz, anunciar a esperança, testemunhar o amor desinteressado e total. Sempre
será possível amar alguém que todos recusam ou que os outros não enxergam. É
assim que começa a santidade cristã.
O GURU E O CARTEIRO
Na religião hinduísta, os gurus são uma espécie de guias espirituais muito respeitados. Conta uma história que, certo dia, antes de visitar um famoso santuário da sua religião, um guru, bem macilento, entrou numa barbearia. Imediatamente o barbeiro, que estava tirando a barba de um homem gordo e flórido, largou o cliente que estava atendendo e, com toda atenção e deferência, fez um serviço completo e caprichado para o guru. Depois disso, ainda lhe deu algumas moedas pedindo que rezasse por ele e sua família.
O guru, agradecido, decidiu em seu
coração que recompensaria o barbeiro, tão atencioso, com as esmolas que ia
recolher naquele dia. Depois de algumas horas, um desconhecido aproximou-se do
guru e lhe deu um saquinho cheio de moedas de ouro. O guru, conforme tinha
prometido em seu coração, correu com o barbeiro e lhe ofereceu o pequeno
tesouro. No entanto o barbeiro mostrou-se ofendido e disse:
- O que é isso? O senhor, que deveria
ser um santo, não se envergonha de querer me pagar um serviço que fiz por amor a
Deus?
Um exemplo de generosidade do barbeiro e
de desprendimento por parte de ambos, visto que nenhum dos dois deu muito valor
às moedas de ouro. Com efeito, um trabalho, para ser serviço verdadeiro, deve
andar junto com a gratuidade e a disponibilidade. Se for pago, já se torna
negócio; se for mal feito, revela má vontade por parte de quem o
oferece.
No entanto, no evangelho deste domingo,
Jesus nos ensina que o serviço generoso e gratuito deve estar também junto com o
poder e a autoridade. Se os grandes do mundo oprimem e tiranizam as nações,
entre os discípulos de Jesus não pode ser assim. As coisas devem ser muito
diferentes. Quem quer ser o primeiro seja-o no serviço, tornando-se servo de
todos.
Em geral, ter poder é sinônimo de mandar
e, para quem não o tem, significa submissão e obediência. Esta maneira de pensar
está tão enraizada em nós que é muito difícil imaginar uma autoridade que não
possa mandar. Afinal, se ele não pode impor a sua vontade, que poderoso
é?
Jesus sempre nos desafia porque nos
propõe algo de verdadeiramente novo, muito diferente da maneira de pensar e de
agir dos grandes e poderosos do mundo, que se acham donos de tudo. O que está
em questão não é a autoridade em si; sendo legítima e honesta ela deve existir e
exercer a sua função. Jesus propõe que esta autoridade não se transforme em
autoritarismo. Ele pede que seja um serviço para o bem de todos, de maneira
especial para os pobres e os excluídos das benesses da sociedade. Ocupar um
cargo de responsabilidade não deve ser entendido como um poder incondicional e,
portanto, opressor, resultado de ambições e disputas onde vale tudo para
conquistá-lo. Ao contrário do orgulho humano, que visa ocupar os primeiros
lugares para sentir-se importante, ad mirado e bajulado, Jesus propõe o último
lugar, o lugar daquele que, antes de pensar em si, serve a todos.
Perguntamo-nos: será possível ocupar
fisicamente os primeiros lugares e agir, espiritualmente, como alguém que não
promove a si mesmo, mas coloca em primeiro lugar na sua vida o bem dos outros? É
muito difícil, mas nada é impossível para Deus. Por isso, Jesus pede que o seu
projeto de serviço comece, ao menos, entre os seus discípulos.
Não tem como não lembrar, neste momento,
também as autoridades na Igreja, começando pelos padres, passando pelos bispos,
até o Papa, incluindo os superiores e superioras das famílias religiosas, leigos
e leigas responsáveis de pastorais, movimentos e comunidades. Evidentemente
sempre pode ter alguém que planeje, também em nossos dias, uma possível carreira
eclesiástica, que seja um pastor ganancioso, centralizador e autoritário, alguém
que busque a sua autopromoção. No entanto acredito que devemos reconhecer a
generosidade e a dedicação da grande maioria das pessoas consagradas e
comprometidas. Com efeito, não tem ouro que pague o amor e a dedicação de tantos
irmãos e irmãs, integralmente devotados às suas comunidades, à suas paró quias,
às obras da caridade.
Como o barbeiro que não quis receber
recompensa por um serviço que havia feito por amor a Deus. O bem, feito por
amor, é a própria recompensa para quem se entrega ao serviço sem reservas. E no
amor vivido está presente o próprio Deus que, por sua vez, se doa sempre como
prêmio incalculável.
ALEGRIA E TRISTEZA
Dom
Pedro José Conti
Bispo
de Macapá
Numa pequena vila, um camponês juntou tanta riqueza que
podia dizer que era o mais rico de todos. Comprou um jumento e decidiu fazer
uma viagem. Chegou numa vila maior e viu uma casa muito mais bonita do que a
sua.
– De quem é? –
perguntou.
– Do homem mais rico
do lugar – foi a resposta.
O agricultou voltou para a sua vila, trabalhou mais ainda e
conseguiu construir uma casa bonita como aquela que tinha visto na vila grande.
Desta vez, comprou um cavalo e uma carroça e se mandou para a cidade. Havia lá
centenas de casas bonitas como a sua e dezenas mais bonitas ainda. Nada, porém,
era comparável ao palácio do rei. O homem percebeu que não tinha como competir
com tamanha riqueza. Voltou para casa, triste e abatido. No caminho, a roda da
carroça quebrou, o cavalo morreu e ao camponês só restou voltar de pé. A noite
escura chegou e ele viu a pequena luz de uma choupana. Era a morada de um santo
eremita. Quando entrou, o camponês reparou a extrema pobreza do lugar e
perguntou ao eremita:
- Como consegues viver
numa casa tão miserável?
- Dou o meu jeito –
respondeu o santo e, encarando o agricultor, disse:
- Pelos teus olhos,
tu não estás feliz. Por quê? Talvez o busques algo que não existe.
- Eu vi a riqueza – respondeu o camponês - ela existe sim.
Então o pobre
eremita disse:
- Já reparaste os
vagalumes dos campos? Querem competir com as estrelas, mas a vaidade deles
desaparece quando as estrelas começam a brilhar. As estrelas também pensam
iluminar o céu, mas quando desponta a lua, a luz delas enfraquece. A lua,
também, tem a ilusão de clarear o mundo, mas quando nasce o sol quase não se
percebe mais que ela ainda está no céu. Se todos aqueles que se orgulham das
suas riquezas meditassem sobre essas coisas simples encontrariam, novamente, o
sorriso que perderam.
O camponês sorriu, mas ainda tinha uma sombra de tristeza
em seu rosto. Novamente, o eremita falou:
- Sabe que comparado
comigo, tu és rei.
- Não vamos exagerar, é verdade que tenho uma casa mais
bonita, algum dinheiro guardado...
- Não é disso que eu falo – disse o eremita e aproximou a
lamparina ao seu pobre corpo: ele não tinha pernas. Então o agricultor que
devia sorrir, chorou.
Uma história simples e tocante. Serve para nos perguntar
com quais critérios medimos as coisas e as circunstâncias da vida. Se formos
guiados pela ambição com certeza nunca ficaremos satisfeitos e nem felizes. A
busca da vida eterna poderia ser uma boa maneira para nortear a nossa vida e,
por consequência, também a administração dos nossos bens. Mas o que fazer para
ter a garantia de chegar lá? É a mesma pergunta que um homem bom fez a Jesus,
como lemos no evangelho deste domingo. A primeira resposta de Jesus é que
deveria bastar seguir os mandamentos da Lei de Deus. É o que quase todo mundo
pensava e pensa ainda hoje: se não faço nada de mal, pratico os mandamentos,
cumpro as minhas obrigações, terei direito a ganhar a vida eterna. No fundo
seria uma espécie de troca: a nossa lisura de um lado e a promessa de Deus do
outro. Se nós não falhamos, Deus também não pode decepcionar, será obrigado a
nos dar o que merecemos. Para Jesus, porém, àquele homem faltava ainda uma
coisa, uma só, mas decisiva. Devia se desfazer de todos os seus bens, doá-los
aos pobres e depois segui-lo. Ele não aceitou. Escolheu ficar com todas as suas
riquezas e ganhou, a mais, a tristeza em seu coração.
Ainda
hoje, e talvez sempre seja assim, as riquezas e os bens materiais são muito
cobiçados, ao ponto de fazê-los coincidir com o sonho da nossa felicidade. A
vida eterna parece tão longe que perdeu valor. Para maior segurança, no
entanto, é melhor cumprir algumas obrigações, nem que seja reclamando e achando
Deus exigente e chato demais por se meter em nossa vida. Continua faltando a
única coisa que, por si mesma, garante a vida eterna: o amor a Deus. Enquanto
pensarmos que ser cristão significa somente obedecer aos mandamentos – também
se divinos – o nosso coração estará longe de Deus e a vida eterna parecerá um
direito e não um dom generoso do Pai. Se conseguirmos escolher o amor a Deus –
e ao próximo – como nossa única e verdadeira riqueza, serão os bens materiais a
perder valor; poderemos deixá-los - ou administrá-los – sem sermos dominados
por eles. Seria a vida eterna, divina e verdadeira, começando aqui e agora.
No dia do Círio, olhamos a Maria,
Nossa Senhora, feliz e bendita porque acreditou. Pedimos que ela interceda por
nós para que possamos também ser felizes, buscando a única riqueza que nunca
perde valor: a alegria de seguir o Senhor no caminho do amor. Com pernas ou sem
pernas, mas jamais tristes e infelizes!
(10/10/2012)
A FESTA DA SEPARAÇÃO
Dom Pedro José Conti
Certa vez, um homem decidiu repudiar a sua mulher, porque não tinha
filhos. Apresentou-se ao rabino para ter a aprovação dele. O rabino lhe disse:
- Concordo com o senhor, mas com
uma condição: como fizeram uma festa bonita quando vocês se uniram, façam
também uma festa quando vocês se separarem.
Assim foi organizada uma grande festa com música, dança, muita comida e
bebida. A mulher aproveitou e deu de beber ao marido mais do que ele estava
acostumado. Assim, no meio toda aquela exaltação, o marido disse-lhe:
- Minha filha, pode levar da
minha casa o que mais gostar e depois volte para a casa de seu pai.
O que fez a mulher? Quando o marido adormeceu, pediu aos serventes de
levá-lo, junto com a cama, para a casa do pai. No meio da noite, quando os
efeitos do álcool já haviam passado, o homem acordou e percebeu que estava num
quarto desconhecido.
- Onde estou, mulher?
- O senhor está na casa do meu pai – respondeu-lhe a mulher.
- E por quê?
- Porque ontem o senhor me disse que podia levar da sua casa o que mais
eu gostava. Ora, nada daquele lugar eu
gosto mais do que o senhor, e assim o trouxe!
- O homem ficou tocado por aquelas palavras cheias de humildade e
ternura. Deus também viu que o amor entre os dois estava renascendo e, no seu
tempo, eles tiveram o filho tão esperado.
O evangelho deste domingo começa com a pergunta dos fariseus a Jesus sobre
a permissão que Moisés tinha dado para divorciar-se da própria mulher. Os
fariseus queriam conhecer a posição de Jesus sobre o assunto. Já naquele tempo
a questão devia ser polêmica e gerar muita discussão. É assim ainda hoje. Para
muitos, a chamada indissolubilidade do matrimônio cristão perdeu o sentido e a
Igreja católica está ultrapassada quando insiste sobre o assunto. Jesus
responde lembrando a dureza do coração humano e propõe a volta ao começo da
criação, isto é, ao projeto de Deus sobre o homem e a mulher e, portanto,
também sobre a vida conjugal dos dois. A união de amor entre o homem e a mulher
dá origem a uma nova situação: uma só carne. “Portanto, o que Deus uniu, o
homem não separe”, diz o evangelho (Mc 10,9).
Na base de tudo está o ser humano, que se realiza na relação com Deus e
com os outros. Nem todos os relacionamentos são positivos e construtivos,
alguns nos machucam e decepcionam, ao ponto de duvidarmos e desconfiarmos uns
dos outros. Também no encontro entre o homem e a mulher pode haver frustrações,
mas se na base está um amor sincero e generoso, os dois se entendem,
aceitam-se, sonham juntos e desejam estar juntos. O amor verdadeiro somente
pode unir as pessoas e uni-las cada vez mais, também se não sempre da mesma
forma. Muitas lições são aprendidas ao longo da vida conjugal.
As diversidades enriquecem e completam o que falta; os conflitos
ensinam a paciência e a humildade; o tempo que passa revela as coisas
essenciais e faz reconhecer as passageiras. A fidelidade não é uma prisão, é o
resultado da gratidão ao outro e à outra que doaram as suas vidas. O amor
verdadeiro faz crescer as pessoas, estimula as virtudes, revela a dedicação e a
generosidade dos dois. O egoísmo mede os esforços e poupa energias, mas o amor
torna o sacrifício mais leve e as
lágrimas podem ser de dor, mas nunca de desespero.
Falamos tanto de crise do matrimônio e da família. Muitas são as causas
e grandes são os sofrimentos e as infelicidades. Como Igreja, como casais
cristãos, porém, precisamos falar e propor mais as alegrias da vida conjugal e
familiar. Como sempre, fazem mais barulho uma separação ou um divórcio do que
tantos anos de convivência estável, abençoada por Deus e fecunda na sua
simplicidade e cotidianidade.
Na casa do marido, aquela mulher não gostava de nenhuma “coisa”,
gostava mesmo era dele. Qual teria sido o final se ela tivesse levado a
televisão, o carro, o cartão de crédito, os móveis...?
A GENEROSIDADE DO PAPA
Dom Pedro José Conti
Apresentou-se certa vez, a Bento XIV, um pobre pai de família e,
contando-lhe suas necessidades, pediu-lhe um auxílio.
- Tenho apenas vinte escudos – disse o Papa – se lhe bastam, dou-os com
gosto.
Um jovem prelado, que estava
presente, advertiu-o, em voz baixa, que vinte escudos eram demais, bastavam
dez.
– O senhor tem dez escudos
consigo? - Perguntou-lhe o Pontífice.
O prelado, metendo a mão no bolso, apresentou-lhe dez escudos. Então o
Papa, entregando ao pobre seus vinte escudos com mais aqueles dez, disse:
- Agradeça também ao Monsenhor, que concorre ao benefício,
acrescentando à minha oferta a sua de dez escudos.
- O prelado ficou bastante desapontado, mas calou-se...
Uma simples história de caridade, talvez um pouco forçada como a do
Monsenhor, acabou sendo mais uma ajuda para quem estava precisando.
O evangelho deste domingo é um conjunto de palavras do Senhor Jesus,
que continua ensinando aos seus discípulos. Primeiro ele diz que ninguém pode
fazer milagres em seu nome e depois falar mal dele. O importante é que “toda
língua confesse que Jesus é o Senhor, para a glória de Deus Pai” diz a carta
aos Filipenses (2,11). No nome de Jesus só se deveria fazer o bem a quem
precisa - também se simples e, aparentemente, insignificante como um copo de
água. O escândalo acontece quando o nome de Jesus é usado para prejudicar
alguém ou dar vantagem a uns sobre contra outros. Jesus não pode ser de parte.
Por isso, os pequenos e os pobres ficam escandalizados porque acreditam no amor
do Pai para com todos. Privilégios e enriquecimentos, usando o nome de Deus, só
podem desnortear a fé dos simples. Pensando bem, porém, todos os discípulos
verdadeiros deveriam ser os simples e pobres de coração que procuram amar a
Deus servindo ao seu próximo, com generosidade e desprendimento, porque somente
de Deus aguardam a recompensa.
Na última parte do evangelho, encontramos aquelas palavras de Jesus que
não deixam de nos surpreender e incomodar. Entendemos que elas não devem ser
tomadas literalmente cortando mesmo mãos, pés e arrancando olhos. No entanto, a
decisão de mudar certas atitudes ou costumes nos custa quase quanto arrancar
membros do nosso corpo. Mais uma vez, devemos entender as palavras de Jesus
como um convite à liberdade. Liberdade para amar e fazer o bem. Para possuir o
grande tesouro que é “entrar no reino de Deus” vale a pena renunciar não
somente aos males, mas também a outros “bens” menos valiosos. Não por desprezo
ou heroísmo. Como considerar inúteis uma mão, um pé ou um olho? Eles podem ser,
porém, obstáculos para a nossa participação no reino. A porta para entrar é
sempre estreita, precisa deixar fora muitas coisas. Sabemos que por nosso
orgulho, muitas vezes, custa-nos demais renunciar a uma ideia ou uma opinião.
Perdemos amizades, até a própria família, mas não admitimos erros, não pedimos
socorro para nos libertar de certos vícios que estão grudados em nós, mais do
que os membros do nosso corpo.
Achamos tudo isso tão difícil e até inútil porque o reino do qual Jesus
fala nos parece tão longe! Por que deveríamos renunciar a algo bom para nós,
hoje, pensando num prêmio tão duvidoso no futuro? Na realidade o bem que
fazemos já é sinal e presença do reino. A renúncia a algo de menos importância
é para começarmos a ser felizes hoje, escolhendo a parte melhor, aprendendo a
amar, a servir, a nos doar. Ninguém aprende a fazer isso de uma vez só,
precisamos treinar também para amar, talvez com pequenos gestos – o copo de
água! – um sorriso, uma mão estendida, uma ajuda a quem sofre.
Talvez precisamos de alguém que nos empurre para doar. O Monsenhor da
história não ficou muito feliz por ter dado os dez escudos, mas já os tinha
entregado. Aprendeu com a lição do papa Bento XIV (14 mesmo), lá pelos anos de
1700.
(30/09/2012)
TRÊS JOVENS
Três
jovens africanos foram colocados na grande cabana das reuniões. O Chefe da
tribo estava sentado no fundo e aos seus lados estavam os velhos guerreiros. O
ancião tomou a palavra e disse:
- Por
seis dias vocês ficaram na floresta. Foram testados para ver se têm capacidade
de se defender dos mil perigos que a mata esconde. Voltaram sãos e salvos, mas
ainda não basta para serem julgados verdadeiros guerreiros. O que fizeram para
merecer este título?
- No
meio do silêncio, os três jovens contaram os seus feitos. Um havia matado uma
onça, o outro, lutado contra uma cobra grande.
- E
você, Mamadu, o que fez? – perguntou o Chefe.
-
Peguei uma vasilha de mel das abelhas selvagens – respondeu baixinho Mamadu.
Os jovens
riram. Roubar mel das abelhas era só questão de paciência, talvez um pouco de
audácia, mas não era uma façanha digna de um guerreiro.
- Por
que você tirou o mel das abelhas e não foi caçar algum animal feroz? –
perguntou o Chefe.
- O
senhor sabe que os meus pais são velhos e doentes; devo cuidar deles, não podia
deixá-los sem comida. Levei o mel para eles.
O Chefe
levantou-se. Estendeu a lança de guerreiro para Mamadu e disse:
-
Tome-a, é sua. Entre todos, você é o mais digno dela. Antes de ser um caçador,
um homem deve ser homem. Só há uma maneira para saber se ele o é realmente:
quando coloca acima de qualquer coisa o respeito e o amor pelos seus pais.
Com certeza o Mamadu da
história não foi um covarde. Talvez tivesse precisado lutar, e muito, contra a
sua própria ambição de querer ser o primeiro de todos, por causa de algum gesto
arriscado e destemido. No entanto a voz da responsabilidade e do amor com os
próprios pais havia falado mais forte. Antes de obedecer ao seu orgulho, deu
ouvido ao seu coração. Também para isso precisa muita coragem.
O evangelho de Marcos, deste
domingo, não esconde a dificuldade dos apóstolos em compreender as palavras de
Jesus, quando falava da sua paixão e morte. O desfecho de sua vida, não ia ser
um triunfo com a derrota de seus inimigos e a tomada do poder. Jesus, revelação
de um Deus-Amor, Pai de todos, não podia ter “inimigos” para vencer e humilhar.
Ao contrário, estava pronto a doar a sua vida para libertar a humanidade
inteira ainda iludida pelo antigo Adversário. Somente fazendo-se o último de
todos, obediente e humilde até a morte de cruz (cf. Fl 2,8), podia nos libertar
dos falsos ídolos do poder, da força e da dominação.
No
entanto os apóstolos continuavam imaginando um reino deste mundo, onde os mais
importantes ocupam os primeiros lugares. Para Jesus, porém, primeiro mesmo será
aquele que se faz último porque está disposto a servir a todos. E ele deu o
exemplo.
Estamos falando de teorias ou
de vida cotidiana? Estamos neste mundo ou viajando em outras galáxias? É
difícil para todos pensar e projetar a nossa própria vida como um serviço aos
outros. Todos escondemos, dentro de nós e mais ou menos bem, um grande desejo
de poder, de aparecer, de ser reconhecidos como os melhores. Os primeiros,
enfim, com mais ninguém acima de nós. Ser os últimos? Nem pensar! Para servir
os outros? Os outros é que terão que nos obedecer. Isto se pensa, mas,
obviamente, nunca se diz. Os discursos sempre são outros. Ninguém quer admitir
a própria ambição e a própria sede de poder.
Estamos
na reta final de mais uma campanha eleitoral. Quantos candidatos se apresentam
como servidores do povo, declarando-se dispostos a tudo para o bem de todos.
Estamos livres de confiar, mas temos direito de duvidar, sobretudo quando são
feitas campanhas milionárias. Se ganharem o cargo pleiteado, com certeza o
salário dos quatro anos não cobrirá nem de longe os gastos feitos. Devemos
acreditar que estão gastando do seu bolso para poder depois, se forem eleitos,
servir ao povo com honestidade e desprendimento? Quando a esmola é muito
grande, dizem, até o Santo desconfia. Com a dinheirama gasta nas campanhas
talvez se pudessem consertar, já, algumas coisas que não funcionam tão bem.
Voltando
à historinha, o povo precisa do “mel” de cada dia; quer que funcionem as
escolas, os hospitais, a energia, a água, os transportes, a habitação, a
segurança pública. Esta é a verdadeira luta urgente e a verdadeira vitória que
faz sorrir de alegria os pequenos e os pobres.
Se os outros acharem pouco
tudo isso, podem rir do “mel” e continuar a caçar onças e cobras. O Chefe,
porém, deu a lança de guerreiro a Mamadu. E o povo a quem a daria?
(20/09/2012)
O HOMENZINHO
E O MUNDO
Dom Pedro José Conti, Bispo de Macapá
Numa casinha muito pequena, sem janelas e sem sacadas,
morava um homenzinho. No telhado tinha instalado todo tipo de antena de
televisão. Com toda aquela parafernália ele conseguia captar os programas de
todas as televisões do mundo inteiro. Por causa disso, o homenzinho nunca saía
de casa.
– Por que deveria
sair? – ele dizia a si mesmo – tenho o mundo inteiro em casa: daqui eu posso
ver, ouvir, saber tudo o que acontece.
O nosso amigo tinha
adquirido o costume de assistir à televisão desde criança. Não lembrava o dia,
ou o momento, no qual, em sua casa, a telinha tivesse sido desligada. Do mesmo
jeito, não lembrava nada das cantigas de ninar de papai e mamãe. O homenzinho
tinha crescido assim: na companhia da televisão. Nem por isso estava triste, ao
contrário, ficava cheio de orgulho pensando conhecer tão bem o mundo e tudo o
que nele acontecia. Um belo dia, ouviu bater à porta de sua casa e, quando a
abriu, viu à sua frente alguém que lhe dizia:
- Dá licença, posso
entrar?
- Mas o senhor quem
é? – perguntou o homenzinho aborrecido.
- Como? O senhor não
me reconhece? Eu sou o mundo.
Isso mesmo, ali estava o mundo querendo entrar, mas o
homenzinho não se deixou convencer.
- Não fale bobagem – respondeu e fechou a porta na cara do
desconhecido.
Com efeito, o mundo era tão diferente de como ele o via na
televisão que não o havia reconhecido.
Quantas vezes nós construímos uma ideia sobre uma pessoa e
chegamos a pensar em conhecê-la o suficiente ou até muito bem. Na realidade,
conhecer alguém de maneira não superficial não é nada fácil. Precisa tempo,
convivência, muito diálogo e com certeza, também atenção e carinho. Se a
pergunta de Jesus, que encontramos no evangelho deste domingo: “E vós, quem
dizeis que eu sou?” fosse endereçada a nós, o que iríamos responder? Hoje poderíamos pesquisar na internet, opção que
Pedro não tinha naquele tempo... Mas quem disse que lá iríamos encontrar a
resposta certa? Talvez uma afirmação correta para um programa televisivo de
perguntas e respostas e relativos prêmios. Sem dúvida não uma explicação capaz
de mudar a nossa vida e o nosso coração. O próprio evangelho sugere os passos
que devemos dar para conhecer Jesus de verdade.
Primeiro, encontramos algumas palavras confusas e depois, a
declaração de Pedro: “Tu és o Messias”. Jesus não diz que esta resposta está
errada, a questão é outra: qual tipo de Messias será Jesus? Poderoso e
esmagador de inimigos? Ele mesmo responde que será, sim, o salvador, mas
através do sofrimento da cruz, nada de força, dominação e sucesso. Pedro, que
talvez achasse ter acertado, insiste. Jesus responde dizendo-lhe que não pensa
como Deus, mas como os homens. Aqui está a primeira derrota de quem pensava já
ter descoberto o grande segredo de Jesus. Ainda estamos muito longe. Eis os outros
passos.
Somente pode confiar num Messias crucificado quem aceita
passar também pela cruz. Sem pensar em situações extraordinárias (que não
buscamos, mas que, todavia, sempre podem acontecer em nossa vida) carregar a
nossa cruz pode significar simplesmente ser fiéis aos valores do reino de Deus;
aqueles que o mundo proclama esvazia e desvirtua. Por exemplo, a justiça. Todos
a querem, mas, muitas vezes, que esteja ao seu lado e que lhe dê lucro. A paz?
Absoluta, contanto que esteja sob o controle do seu poder ou das suas armas. A
solidariedade? Uma maravilha, na condição que não exija a renúncia aos seus
privilégios e regalias.
Terceiro passo. Somente pode entender a cruz de Jesus quem
tenha experimentado, ao menos um pouco, a loucura do amor que doa a sua própria
vida. Quem segurar a sua vida, por medo de perdê-la, no fim ficará sem nada.
Aqueles, porém, que souberam fazer da própria vida um dom, a salvarão, porque a
entregaram nas mãos de Deus, amando-o e servindo-o no seu próximo.
Quem diz conhecer Jesus, mas não o segue no caminho da
cruz, quem não quer renunciar aos seus projetos de poder, para amar e servir, e
não sabe ser generoso abrindo o seu coração aos pobres e pequenos, de fato,
ainda está muito longe de compreender quem Ele é de verdade. Para conhecer Jesus
precisa estar onde ele esteve: no meio do povo que luta para sobreviver, de
joelho, lavando os pés dos pobres, no Calvário junto aos sofredores e excluídos
da vida.
Jesus nunca será um quadro de parede, um show de televisão,
uma pesquisa de internet. Se ficarmos somente nisso, quando ele bater à porta
da nossa vida, não saberemos reconhecê-lo. Assim poderá ficar fora para sempre.
Uma pena.
(14/09/2012)
O BRÂMANE E AS ESCRITURAS
Dom
Pedro José Conti
Bispo
de Macapá
Certo
dia, um brâmane, sacerdote hindu, apresentou-se ao rei e lhe disse:
- Se
me nomear seu mestre, eu lhe ensinarei as Sagradas Escrituras, que conheço
profundamente. Vou querer somente comida, hospedagem e três mil rúpias por
mês.
– O
rei não gostou nem do desejo de honra e nem do dinheiro que o homem tinha pedido
e respondeu:
- A
minha impressão, ó brâmane, é que você não tenha entendido bem as Escrituras;
poderei recebê-lo como mestre se estudá-las mais a fundo.
– O
sacerdote ficou com raiva e pensou: - O rei está louco, como pode dizer que não
conheço as Escrituras? Já faz muitos anos que as leio todos os dias. – Contudo
voltou para casa e iniciou uma nova leitura com mais atenção. Depois disso, foi
de novo falar com o rei, mas este lhe repetiu as mesmas palavras e ficou mais
zangado ainda; então suspeitou que a exigência do rei pudesse ter sentido.
Fechou-se em casa e retomou a leitura das Sagradas Escrituras, trecho por
trecho, versículo por versículo, palavra por palavra, dia após dia elas entraram
no seu coração e não mais somente na cabeça. Compreendeu assim a vaidade do
mundo e como honra e dinheiro não valem nada se comparados com o tesouro
inestimável da palavra de Deus. Começou então a buscar a perfeição e se esqueceu
do rei.
Depois
de alguns anos, aquele mesmo rei foi visitar pessoalmente o brâmane. Quando viu
a luz que resplandecia no seu rosto, o rei caiu aos pés dele e
disse:
-
Agora estou vendo que você realmente chegou ao conhecimento mais profundo das
Escrituras. Se quiser me aceitar como seu discípulo ficaria muito feliz
.
Essa
história nos lembra que antes de querermos ensinar algo aos outros precisamos
conhecê-lo de verdade. Antes de falar devemos aprender a escutar.
Na
cura do surdo que falava com dificuldade, Jesus primeiro coloca os dedos nos
ouvidos dele e, somente depois, toca na sua língua. O que poderia parecer um
estranho ritual na realidade revela uma grande lição e, de certa forma, uma
preocupação do próprio Jesus. Entre o ouvir e o falar tem uma profunda ligação.
Quem tem ouvido bom, facilmente aprende a falar. Quem não escuta bem, ou não
escuta nada, dificilmente consegue se expressar. Com efeito, o homem surdo do
evangelho falava com dificuldade. A sucessão dos gestos de Jesus e o seu suspiro
conclusivo: “Efatá” – Abre-te – dizem tudo. Aquele que se abre à Palavra, à
escuta e a compreende, por sua vez, poderá abrir a boca para comunicar o que
ouviu e entendeu. Somente quem se apropria da Palavra pela escuta atenta e a
deixa entrar no profundo do seu coração, poderá também anunciá-la com
fidelidade, respeito e alegria. Quem tem a Palavra como seu tesouro poderá tirar
dela “coisas novas e coisas velhas”, como o pai de família da parábola (cf. Mt
13,52). Mas se não tem tesouro ou o cofre está vazio, não terá nada para
oferecer. Aliás, poderá dizer muitas palavras, mas bem poucas capazes de ecoar e
comunicar aquelas “palavras de vida eterna” que Jesus semeou no meio de nós (cf.
Jo 6,68).
Vivemos
num mundo globalizado e conectado, onde, aparentemente, domina a comunicação.
Parece que todos têm muitas coisas para dizer, nem que seja para nos convencer a
comprar os seus produtos ou a votar neles. Quem ainda não sabe das últimas
“news” tem a impressão de ter ficado para trás. Será? Sobram palavras, sons e
ruídos. Estamos bombardeados por notícias, informações, umas empurradas pelas
outras que vêm logo atrás. Precisamos aprender a filtrar as informações; de
outra forma bobagens, fofocas e amenidades, vão juntas pelo ralo com notícias
que mexem com a vida de milhares de pessoas, de países inteiros e até com a vida
do próprio planeta. O pior acontece quando também a Palavra de Deus acaba do
mesmo jeito, no lixo da confusão, na mistura dos acontecimentos, na incerteza
sobre quem, afinal, nos diz a verdade.
Com a
Palavra do Senhor somos todos ainda muito surdos e a balbuciamos com grande
dificuldade. Para Jesus tirar aquele homem do isolamento da surdez e da não
comunicação bastou tocar nele, com carinho, com paciência, mas fora do barulho e
da curiosidade da multidão. Para entrar mesmo em nossa vida, também a Palavra de
Deus precisa de tempo, atenção, recolhimento e... silêncio. Todas coisas fora de
moda. O brâmane da história se esqueceu até do rei, no entanto uma nova luz
resplandeceu no seu rosto. E o rei viu.
(06/09/2012)
REMORSO E VINGANÇA
O adivinho disse: - Certa vez você
largou um homem achando que estava morto –. O homem confirmou mexendo a cabeça,
sem dizer uma palavra. – Você o jogou num poço como se estivesse morto -. – Ele
me procura? – perguntou o homem tremendo de medo. – O procurou por um muito
tempo -. – Vivi dez anos nas montanhas para me esconder dele e com o coração
atormentado -. O adivinho olhou bem no seu rosto. – Ele me procura ainda? - -
Não, agora não mais. - Se me encontrasse, talvez, seria melhor que viver como
uma alma penada -. Era quase meia noite quando o adivinho voltou para casa. A
mulher o estava aguardando e quis saber o motivo do atraso: - Você parece
preocupado, o que foi que aconteceu? -. Após terem jantado, o marido contou: -
Hoje tirei um peso da minha consciência. Ao longo destes anos todos pensei como
podia me vingar e hoje ele veio ter comigo, sem saber quem eu fosse. A mulher
engoliu um grito de horror: - Você o matou? - Não – respondeu calmo o adivinho –
Ele já estava morto -.
Remorso e vingança não deixam o nosso
coração em paz. Podem nos acompanhar por muitos anos porque estão dentro de nós,
andam por onde nós andamos. Mais estão enraizados, mais é difícil arrancá-los.
Exteriormente podemos aparentar sorrisos, mas a erva daninha não para de
crescer.
Jesus, aproveitando de uma disputa com
os fariseus, a respeito de lavar, ou não, as mãos, foi muito claro quando
alertou sobre os males que prosperam “dentro” de nós.
O “impuro” que pode contaminar o nosso
coração não será a sujeira dos pratos ou dos copos, nem a comida em si, mas os
pensamentos maus que encontram terreno fértil em quem os acolhe e cultiva.
Entendemos que devem existir leis obrigando a manter limpa uma cidade como
também normas de higiene pessoal que os pais ensinam aos seus filhos e que se
tornam costume desde criança. No entanto não existem “normas” para a “limpeza”
dos nossos sentimentos. Somente cada um de nós pode decidir por onde orientar o
que passa pela sua cabeça. Se dermos asas a boas intenções, provavelmente
enxergaremos com bons olhos também as pessoas que encontramos e imaginaremos
também coisas boas com elas e para elas. Se não for assim, talvez, olharemos os
outros pensando como roubá-los, enganá-los, dominá-los. Se tivermos sede de amor
e estivermos dispostos a buscar a paz, também estaremos inclinados ao perdão, à
reconciliação, ao diálogo. Viceversa iremos atrás de confrontos, disputas,
revanches.
No evangelho deste domingo encontramos
uma lista das tantas coisas ruins que, se não tomamos cuidado, vez por outra,
passam pela nossa vida. Podemos também chamá-las de tentações, mas cabe a nós
fugir delas e não fomentá-las.
Nesta altura surge espontânea uma
pergunta – que está bem por baixo desta página do evangelho -: como alimentar
bons pensamentos e boas intenções? Com quem aprender a cultivar o bem? Nós
cristãos podemos responder logo: com Jesus pão-palavra e pão-eucaristia! Com
efeito, a discussão começou porque os discípulos comiam “pão” sem lavar as mãos.
Agora entendemos: para nos alimentar de verdade com Jesus “pão da vida” não
serve a limpeza exterior, precisa zelar da pureza do coração. A Palavra e a
Eucaristia somente podem produzir frutos bons na vida de quem não deixa brotar
na sua consciência as sementes do mal.
Jesus proclamou felizes os “puros de
coração” porque verão a Deus. “Verão” porque os olhos deles já estão abertos
para enxergar o bem e a bondade acima de tudo. Perdemos tanto tempo para
apontar os defeitos e o mal feito dos outros – e os outros falam do nosso –
quando na realidade deveríamos estar treinando para reconhecer e espalhar as
virtudes e o bem feito, sem o ciúme e a inveja que cegam nossos olhos.
Não esperamos mais tempo para tirar
pesos da nossa consciência. Pensamos estar vivos e na realidade estamos mortos,
enterrados no fundo das nossas mágoas. Vamos deixar que Jesus nos liberte e nos
faça viver.
(31/08/2012)
O
sábio e os animais
Dom
Pedro José Conti
Bispo
de Macapá
Um
sábio sempre tinha vivido retamente, conseguindo bem poucos resultados e
recompensas com a sua vida honesta e generosa. Por causa de tamanha ingratidão,
certo dia, ele cansou da humanidade e resolveu investir nos animais. Vendeu tudo
o que possuía. Com o dinheiro comprou um cavalo, um burro, um cachorro, um boi e
uma galinha; mandou construir uma casa no cume de um monte e foi morar para lá
com eles.
O
sábio era um homem muito inteligente e de extraordinária boa vontade e decidiu
que ensinaria aos animais a falar. Trabalhou muitos anos sem nunca perder a
coragem e a paciência. No final, conseguiu: o cavalo, o burro, o cachorro, o boi
e a galinha tinham condições de entender e responder. O sábio agradeceu ao bom
Deus e, depois de ter dado comida e carinho aos animais, quis fazer o teste
conclusivo dos seus esforços.
–
Quem é você? – perguntou primeiro ao burro.
–
Um cavalo – ele respondeu, com muita firmeza.
–
E você quem é? – perguntou ao boi.
–
Um leão – respondeu o boi e mostrou os dentes com
agressividade.
–
Você quem é? – perguntou o sábio à galinha.
–
Uma águia – respondeu ela, avançando com as garras.
–
E você? – perguntou o sábio ao cavalo.
–
Um homem – respondeu o cavalo – e gostaria que o senhor não me tratasse tão
familiarmente, nunca fomos íntimos.
O
sábio ficou muito triste e, quase chorando, dirigiu o seu olhar para o cachorro.
Este, bondosamente, jogou-lhe um osso e disse:
-
Coitado, está sendo mal tratado, mas não fique tão abatido, sei que será fiel e
eu irei lhe proteger.
Depois,
o cachorro, vendo que o homem continuava chorando, completou:
-
Nós iremos muito longe deste povo ingrato e eu vou lhe ensinar a latir.
Essa
história é de um escritor bem-humorado que queria ironizar sobre a inutilidade
de educar quem não entende o valor dos ensinamentos. Se o sábio estava
decepcionado com os seres humanos, também não teve muito sucesso com os
animais.
Assim,
a longa explicação do evangelho de João sobre Jesus “pão da vida” esbarra na
incredulidade de muitos ouvintes. Quando escutam dizer: “Quem come minha carne e
bebe meu sangue tem a vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,54)
entendem que eles têm que tomar uma decisão: confiar, ou não, naquele homem que
diz coisas tão novas e diferentes. É fácil se esconder atrás da “dureza” dessas
palavras tão difíceis de serem aceitas. Talvez muitos dos ouvintes tivessem
entendido o sentido das palavras de Jesus, mas as acharam inaceitáveis.
Nem
por isso Jesus muda de discurso, ao contrário, encara a dose e fala de escândalo
quando virem “o Filho do homem subindo para onde ele estava” (Jo 6,62). Nesta
altura, qualquer desculpa serve para desistir: a palavra “dura”, a origem de
Jesus, o escândalo, o Pai que atrai, o Espírito que dá vida, a promessa da
ressurreição. Lógica consequência é perguntar aos doze se eles também querem ir
embora. Pedro responde com uma belíssima profissão de fé: “A quem iremos Senhor,
Tu tens palavras de vida eterna” (Jo 6,68).
A
pergunta de Jesus continua ressoando para nós hoje. Ele quer nos ensinar um
caminho novo: a vida doada, o corpo sacrificado e o sangue derramado, a
Eucaristia, comida e a memória perpétua do seu amor total. Podemos desistir e
alimentar a nossa vida com motivações materiais e passageiras: negócios, lucros,
prazeres, diversões. Ao contrário, seguindo Jesus teremos como referências para
a nossa vida as suas palavras, o seu exemplo, a sua presença. Toda a realidade
humana – alegrias e sofrimentos, conquistas e fracassos, angústias e esperanças
- ganhará uma dimensão de eternidade não por ilusão ou autopromoção, mas pelo
amor que é sempre possível oferecer doando as nossas vidas como ele entregou a
sua por amor. Tudo isso sempre será difícil para qualquer um, mas quem acreditar
encontrará o sentido desta vida e da eternidade.
Jesus
nunca desiste de nos ensinar novamente esse caminho; o seu exemplo e as suas
palavras continuam a nos convidar e a nos questionar. Sempre podemos encontrar
desculpas e virar as costas. Ou, finalmente, aprender a linguagem de Deus. Não
como os animais da história que acabaram falando, mas querendo ensinar ao sábio
a latir. Tanto esforço não serviu para nada, porque não tinham entendido o valor
da palavra. Desistiram de ser gente.
(24/08/2012)
A pedra filosofal
Dom Pedro José
Conti
Bispo
de Macapá
Certa vez, um alquimista decidiu gastar toda a sua vida
em busca da pedra filosofal, isto é, aquela única e raríssima pedra que, assim
ele acreditava, tinha o poder de transformar em ouro os objetos de
ferro.
– Vou
experimentar com todas as pedras da terra – ele dizia – com certeza encontrarei
a pedra que estou procurando.
No início pensava que fosse uma coisa simples e começou
a sua busca, cheio de energia e de confiança. Amarrou uma corrente de ferro na
cintura e com ela tocava todas as pedras que encontrava no caminho. Andou muito,
em todas as direções e em todos os lugares. Quando encontrava uma pedra,
pegava-a na mão e a tocava com a corrente de ferro. Esse gesto tinha se tornado
toda a sua vida e o repetia continuamente.
Assim passaram os anos e o alquimista já estava bem
velho e cansado, quase uma sombra que caminhava. Aqueles que o encontravam
naquelas condições, achavam que ele tinha enlouquecido. Certo dia, porém, quando
passava por um vilarejo, um menino se aproximou dele e lhe
perguntou:
- Senhor, onde
encontrou a corrente de ouro que tem na cintura?
O alquimista estremeceu: a corrente que antes era de
ferro, agora era mesmo de ouro e resplandecia nos seus flancos. Não era
devaneio. Era ouro mesmo, mas qual pedra havia realizado aquela transformação?
Quando? Onde? Desesperado, bateu na sua cabeça. Estava tão acostumado a tocar as
pedras com a corrente de ferro, que nem tinha notado a transformação. Tinha
encontrado a pedra filosofal e a tinha perdido. De cabeça baixa, retomou o seu
caminho. Estava mais encurvado do que antes, e o seu coração mais cansado do que
ele mesmo. A noite estava chegando.
Domingo passado, Jesus nos convidava a procurar o
alimento que “permanece até a vida eterna”; e ele mesmo se oferecia como
alimento. Neste domingo, repete para nós que ele é “o pão da vida” e que “quem
comer deste pão viverá eternamente”. Até quem participou apenas do catecismo da
Primeira Comunhão entende que Jesus está falando da Eucaristia, o pão-carne e o
vinho-sangue. Nos sinais do pão e do vinho, ele continua a nos doar a sua vida
para que nós possamos “ter parte” com ele. A vida eterna, na qual nós cristão
acreditamos, somente pode ser a vida de Jesus, porque só ele, ressuscitado, pode
nos garantir esta vida.
Este desejo de vida está dentro de nós, dirige a nossa
existência. Procuramos sempre algo melhor, que nos permita sair de uma situação
para alcançar outra que, justamente, julgamos mais favorável. Por isso, lutamos
a vida inteira: para ganhar mais, para sermos mais famosos, para termos mais
segurança – sobretudo financeira - em nossa vida. Brigamos para não morrer,
mesmo sabendo que este dia chegará para todos.
O que tem a ver Jesus Eucaristia com essa nossa busca
incansável? Não posso, neste momento, deixar de pensar em tantos adultos e
jovens que passaram pela nossa catequese e receberam Jesus Eucaristia na
Primeira Comunhão. Para alguns, infelizmente, foi a primeira e a última, porque
pensaram cumprir uma obrigação social, ou algo semelhante. Talvez um costume
familiar herdado do passado e nada mais. Passada a empolgação de criança,
tomaram outros rumos na vida. Tinham em mãos o segredo da vida eterna e o
perderam. Mas existem também outros cristãos, católicos, que ainda participam da
Missa, mas não sentem desejo de se alimentar com Jesus Eucaristia. Têm o Pão da
Vida à sua frente, mas pensam em satisfazer a própria fome de vida e a p rópria
sede de Deus de outras formas.
Ainda não
entendemos que Jesus quer transformar a nossa vida mortal em vida eterna,
simplesmente nos alimentando com o seu amor. Ele, que doou a sua vida, quer nos
conduzir a doarmos a nossa. Ele quer nos ajudar a transformar as nossas lágrimas
em oferendas e as nossas alegrias em fraternidade. Junto com o amor dele, todo
gesto de amor humano ganha valor eterno. Nada feito por amor ficará perdido.
Aprender a doar a vida é um “caminho longo”, mas com a
Eucaristia, o alimento que não perece, as forças se multiplicam e as esperanças
se tornam certezas.
Coitado! O alquimista que havia encontrado a pedra
filosofal, na sua distração, a tinha perdido. Acontece ainda hoje com a
Eucaristia.
No dia dos pais, pedimos a todos eles um bom exemplo
para os seus filhos. A nossa maneira de agir, trabalhar e nos relacionar, revela
o que nós realmente buscamos na vida. Todo pai é uma referência para os seus
filhos. Não deve se esconder; essa é uma honra e uma responsabilidade ao mesmo
tempo. Se lhes mostrar o caminho certo os conduzirá até a vida eterna. Bem
alimentados com o único Pão da Vida: Jesus Eucaristia.
(10/08/2012)
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